Por que tantos millennials estão buscando destinos remotos como a Mongólia?


Era quase meia-noite, e enfrentávamos uma tempestade em uma estrada de terra no meio da Mongólia. Ainda assim, o rio parecia controlado.


Eu e meu primo, Cole Paullin, estávamos procurando um lugar para acampar. Eu estava exausta depois de um longo dia atravessando riachos em nossa caminhonete quatro por quatro alugada. “Parece tranquilo. Vá em frente”, eu disse.


Cole acelerou e os pneus dianteiros despencaram de um barranco invisível, batendo nas pedras abaixo. Estávamos em uma posição instável em um ângulo perigoso, com a metade da frente da caminhonete submersa. A água entrou pela fresta da porta e me molhou os pés. Imaginei nosso depósito de locação indo embora rio abaixo.


Atraídos pelo barulho, dois jovens que estavam em um camping próximo se aproximaram. Um deles avançou, água até a cintura, mostrando uma mensagem digitada no Google Tradutor: “Isso é perigoso.” Eu estava envergonhada demais para sentir medo.



Emprestei-lhe minha capa de chuva enquanto ele fazia algumas ligações. Felizmente, havia serviço de celular. Uma hora depois, um homem com um caminhão e uma corda de reboque chegou. Demos ré a toda a velocidade enquanto ele acelerou e nos retirou do rio. “Aquilo foi a Disneylândia, cara. Que passeio”, comentou Cole, de 27 anos, usando gírias de Los Angeles, sua cidade natal.


Cole e eu vivemos em continentes diferentes – ele na Filadélfia, eu em Londres –, mas uma vez por ano nos encontramos em algum lugar diferente para uma viagem ao ar livre. Este ano, decidimos viajar de carro pela Mongólia durante uma semana.


Na última década, millennials como eu – nascidos aproximadamente entre 1981 e 1996 – têm procurado lugares remotos como a Mongólia, enquanto outros turistas lotam Santorini, a Torre Eiffel e o Coliseu. Pode ser uma reação a um mundo que está cada vez mais condensado em nosso telefone, onde os mesmos poucos destinos aparecem repetidamente em feeds do Instagram e blogs de viagem. O que ganhamos em acessibilidade perdemos em felizes casualidades.


O governo mongol vem tentando aproveitar esse desejo por viagens menos planejadas, investindo em campanhas de marketing digital voltadas para pessoas com idade entre 23 e 40 anos. Também convidou influencers para visitar a Mongólia e postar vídeos dos vales verdejantes, dos lagos azuis que parecem o Caribe e das dunas alaranjadas do país. De acordo com uma pesquisa de 2019 citada pelo Ministério do Turismo da Mongólia, 49 por cento dos visitantes do país tinham menos de 40 anos.


As operadoras de turismo estão atendendo a esse interesse crescente, ajudando jovens a participar do Festival da Águia Dourada, encontro anual de caçadores nômades – homens e mulheres – e suas águias; a se juntar ao Mongol Rally, odisseia automobilística da Europa à Ásia; ou a participar do Mongol Derby, corrida de cavalos de aproximadamente 965 quilômetros. “O mundo está ficando menor, e todo mundo está em busca da nova fronteira. A próxima é a Mongólia”, disse Sangjay Choegyal, de 36 anos, que mora em Bali e visitou a Mongólia oito vezes.


Um ímã para aventureiros


Quando Cole e eu chegamos no fim de julho a Ulaanbaatar, a capital, a fila de desembarque internacional lotava o novo saguão do aeroporto.


Olivia Hankel, de 25 anos, do Oregon, viera treinar para o Mongol Derby. Willie Freimuth, estudante de paleontologia de 28 anos da Carolina do Norte, estava retornando pelo segundo ano consecutivo para estudar fósseis. E Choegyal tinha vindo com amigos para uma viagem de carro ao Vale de Orkhon, exuberante extensão da Mongólia central. “Quando se fala em uma viagem à Mongólia, ela sempre lota bem depressa”, observou Choegyal.


No ano passado, a Mongólia recebeu quase 250 mil visitantes, mais de seis vezes que no ano anterior, quando o país estava saindo do isolamento pandêmico. A maioria veio de países próximos, incluindo a Rússia, a Coreia do Sul e o Cazaquistão. Mas o número de visitantes da Europa e dos Estados Unidos aumentou mais de 500 por cento entre 2021 e 2022. “Acho que você pode ter uma experiência muito mais interessante, transformadora e envolvente em um banheiro mongol do que no Taj Mahal. E aconselho não planejar muito”, afirmou Tom Morgan, fundador da Adventurists, empresa que organiza viagens radicais no país.


Uma barraca com quatro rodas


Cole e eu não nos planejamos muito. Chegamos apenas com nossas mochilas e uma reserva de carro na Sixt – que não tínhamos certeza de que realmente existia. As filiais da Sixt na Mongólia operam por transferência bancária e, antes de chegarmos, tínhamos enviado mais de US$ 2 mil para a conta deles. Eu estava com medo de ser um golpe.


Ficamos aliviados quando chegamos à Sixt e descobrimos que nossa reserva de fato tinha sido feita. Então recebemos a má notícia: um grupo anterior tinha destruído o SUV que solicitáramos. Uma viagem de 4.800 quilômetros nas diversas trilhas de terra do país tinha destruído o chassi do carro. O agente nos ofereceu uma caminhonete UAZ de fabricação russa, equipada com uma barraca no teto. Não tinha sistema de som e o ar-condicionado era um fluxo fraquinho de ar quente, mas era robusta.


Tivemos sorte em consegui-la. A frota da Sixt estava quase totalmente reservada – assim como a das outras locadoras da cidade. “Esgotamos as vendas três vezes nesta temporada. Então adicionamos mais datas. Especialmente agora, depois da covid, as pessoas querem sentir de novo uma sensação de liberdade, e estão buscando isso na vastidão da Mongólia”, disse Max Muench, de 31 anos, cofundador da empresa de viagens Follow the Tracks, que começou a organizar passeios no ano passado e que ajuda os clientes a reservar carros e fornece tablets com mapas que podem ser usados off-line.


Nômades guiados pelo Google Maps


Rapidamente descobrimos como era essa vastidão.


Aproximadamente metade dos mais de 3,2 milhões de habitantes do país vive na superlotada capital, confusão de ruas e novos arranha-céus se estendendo por todas as direções. Mas cerca de um quarto da população da Mongólia continua a ser nômade, vivendo na estepe sem fronteiras em iurtes – tendas redondas feitas de madeira, lona e peles de animais ou tecido. Essa população se muda com seu rebanho até quatro vezes por ano.


Enquanto saíamos da cidade, guiados pelo Google Maps, o céu se estendia tão amplamente que o horizonte parecia se curvar. Uma manada de cavalos pastava na grama, espantando as moscas com o movimento do rabo. Estávamos procurando os parentes distantes desse rebanho enquanto direcionávamos a caminhonete para o Parque Nacional de Hustai, citado pelo Instituto Smithsonian como um “refúgio para os últimos cavalos verdadeiramente selvagens do mundo”.


Depois de quase uma hora em uma estrada de terra, chegamos a um pequeno portão empoeirado. Perguntei ao gerente do parque nacional, Batzaya Batchuluun, se os visitantes costumam ter dificuldade em encontrar o lugar. “A maioria das pessoas vem com um guia, mas jovens como vocês estão começando a aparecer sozinhos. Todos têm celular. Acabam chegando aqui.”


A Mongólia é surpreendentemente conectada. Apesar das longas distâncias entre as aldeias, tivemos acesso à internet na maior parte de nossa viagem (usando um chip mongol). Um dia, enquanto eu observava camelos no deserto, consegui fazer algo surpreendente: tentar a sorte com a Ticketmaster para comprar ingressos para a turnê Eras da Taylor Swift. (Como muitos, não consegui.)


O governo mongol tem trabalhado para expandir o acesso à internet para cidadãos e turistas. Estima-se que 84 por cento do país tenha acesso à internet, e as iurtes frequentemente têm painéis solares, mantendo os celulares de cada família carregados. O governo também tem trabalhado para asfaltar as estradas de Ulaanbaatar até os destinos populares.


Surgiu uma aranha


Depois de dias de direção lenta e off-road, finalmente chegamos ao cintilante Lago Khuvsgul – nosso destino final. Como queríamos passar a noite em uma iurte, ligamos para Erdenesukh Tserendash, pastor de cavalos de 43 anos cujo apelido é Umbaa. Seu contato estava no Facebook.


Ele, a esposa e os dois filhos nos receberam em uma das iurtes de sua família, iluminada por lâmpadas conectadas a baterias de carro. No jantar, serviram carne de carneiro e de cavalo em uma bandeja comunitária com cenoura e batata. Depois da refeição, quebraram os ossos e sugaram a medula e, antes de dormir, bebemos chá com leite de iaque. Enquanto estava deitada olhando meu celular, notei algo no meu rosto e bati. Era uma aranha do tamanho de uma moeda de 25 centavos.


No dia seguinte, Umbaa nos levou para um passeio a cavalo que durou o dia inteiro. Cavalgamos por prados de flores silvestres, vimos renas e subimos uma montanha com vista para o lago, descansando ao sol para o almoço – fim idílico para nossa jornada.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *